Resolvi escrever sobre esse tema aparentemente novo. Deixo por conta do leitor julgar se meu ponto de vista procede. Precisarei voltar no tempo algumas gerações para que o leitor mais jovem acompanhe. Brincadeiras de criança educavam alguma coisa?
Quando era criança tínhamos várias oportunidades de “brincar” na rua, na escola, no campinho de futebol ou em casa. Na época, brincávamos meninos de um lado e meninas de outro. Nós meninos brincávamos de futebol, queimada, mocinho e bandido, índio e cowboy, queimada, peão, bafo. As meninas brincavam de adivinhem: boneca e casinha até onde pude observar.
Mas havia ocasiões em que os adultos participavam e nos reuniam para aprender a jogar baralho, banco imobiliário, palitinho, quebra cabeças, ludo, damas e talvez xadrez. Pular corda me parece que era também uma atividade unissex.
A questão é: o que essas brincadeiras ensinavam? Talvez os pais e professores daquela época conseguissem explicar em uma tarde de chá com bolacha, mas hoje em dia arrisco a afirmar que é preciso realizar um curso ministrado por algum pedagogo, com pós-graduação em psicologia cognitiva ou vice-versa. Ok; peguei pesado. Meus respeitos a esses profissionais.
A mensagem que quero passar é que hoje nem se brinca mais, nem se compreende o quão importante essas brincadeiras podem ser na formação do caráter e na socialização dos pequenos. Os pais não chamam as crianças da rua porque estão todas presas em suas casas e sozinhas em frente a uma televisão ou em frente a um computador. Quando não, estão em aulas de natação, aulas de futebol, balé ou simplesmente fazendo alguma tarefa de casa.
Se analisarmos bem cada uma das antigas atividades tinham sua contribuição. Um simples joguinho de futebol ensinava formação e trabalho em equipe, divisão de tarefas, união em prol de um objetivo comum, respeito e descoberta de vocações individuais, saber ganhar e saber perder, respeito a regras, ética, descoberta de limites físicos, comprometimento, cumprimento de compromissos, disciplina e a ideia que hoje se traduz como “cada um no seu quadrado”.
Cada jogo infantil tinha também uma referência no que os adultos praticavam e ensinavam e todos nós fazíamos de tudo para imitá-los. Sob a supervisão dos pais as crianças naturalmente descobriam suas vocações e habilidades natas e aos poucos escolhiam suas futuras profissões. Os pais e professores procuravam suprir as deficiências cognitivas ou físicas observadas com a ajuda da sabedoria dos tios e avós, e também dos professores.
Nas escolas os professores nos davam trabalhos individuais e trabalhos em grupos que tínhamos que fazer e como morávamos perto da escola era só combinar um horário na garagem de algum colega.
As noções que já havíamos aprendido num simples jogo de futebol serviam para que nos organizássemos e realizássemos o trabalho em grupo sem que qualquer adulto supervisionasse.
Mais adiante aprendíamos noções de sincronia e timing ao desfilar nas paradas cívicas e logo aprendíamos noções de sociedade, liderança e organização através dos grêmios estudantis. E no trabalho todo esse aprendizado se manifestava de forma natural na formação de equipes, na divisão de trabalhos e especialmente no convívio, respeito e união em prol dos objetivos da empresa.
E hoje como é? Bem, a má notícia é que nada disso acontece mais de forma espontânea. As crianças não têm mais essas atividades, pois cada um está preso em casa ou em seu quarto no apartamento e sozinha. Uma criança terá sorte se algum professor ou avó tiver a oportunidade de apontar alguma deficiência de visão ou cognição. Os adolescentes não disfrutam da oportunidade de organizar e gerir um grêmio abolido na maioria das escolas. Não há desfiles cívicos e tampouco o treino para que o mesmo aconteça.
O individualismo é predominante em todas as idades e o resultado final é a formação de um exército de reizinhos e pequenas rainhas arrogantes e prepotentes a disputar espaço no mercado de trabalho. O fazem a qualquer custo e usando de qualquer meio muitas vezes inspirado nos reality shows onde o vale tudo é regra. Essa é a referência passada aos jovens.
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